Teoria queer – uma política pós-identitária para a educação

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2001

GUACIRA LOPES LOURO

Resumo: As chamadas “minorias” sexuais são, hoje, muito mais visíveis do que antes, e, conseqüentemente, torna-se mais acirrada a luta entre elas e os grupos conservadores. Esse embate, que merece uma especial atenção de estudiosos/as culturais e educadores/as, torna-se ainda mais complexo se pensarmos que o grande desafio não consiste, apenas, em assumir que as posições de gênero e sexuais se multiplicaram e escaparam dos esquemas binários; mas também em admitir que as fronteiras vêm sendo constantemente atravessadas e que o lugar social no qual alguns sujeitos vivem é exatamente a fronteira. Uma nova dinâmica dos movimentos (e das teorias) sexuais e de gênero está em ação. É dentro desse quadro que a teoria queer precisa ser compreendida. Admitindo que uma política de identidade pode se tornar cúmplice do sistema contra o qual ela pretende se insurgir, teóricos/as queer sugerem uma teoria e uma política pós-identitárias. Inspirados no pós-estruturalismo francês, dirigem sua crítica à oposição heterossexual/homossexual, compreendida como a categoria central que organiza as práticas sociais, o conhecimento e as relações entre os sujeitos. O que, afinal, esta teoria tem a dizer para o campo da Educação?

Palavras-chave: teoria queer e educação, política de identidade e de pós-identidade, pedagogia queer

Texto completo:

Os dois últimos séculos, a sexualidade tornou-se objeto privilegiado do olhar de cientistas, religiosos, psiquiatras, antropólogos, educadores, passando a se constituir, efetivamente, numa ‘questão’. Desde então, ela vem sendo descrita, compreendida, explicada, regulada, saneada, educada, normatizada, a partir das mais diversas perspectivas. Se, nos dias de hoje, ela continua alvo da vigilância e do controle, agora ampliaram-se e diversificaram-se suas formas de regulação, multiplicaram-se as instâncias e as instituições que se autorizam a ditar-lhe as normas, a definir-lhe os padrões de pureza, sanidade ou insanidade, a delimitar-lhe os saberes e as práticas pertinentes, adequados ou infames. Ao lado de instituições tradicionais, como o Estado, as igrejas ou a ciência, agora outras instâncias e outros grupos organizados reivindicam, sobre ela, suas verdades e sua ética. Foucault certamente diria que, contemporaneamente, proliferam cada vez mais os discursos sobre o sexo e que as sociedades continuam produzindo, avidamente, um “saber sobre o prazer” ao mesmo tempo que experimentam o “prazer de saber”.1

Hoje, as chamadas “minorias” sexuais estão muito mais visíveis e, conseqüentemente, torna-se mais explícita e acirrada a luta entre elas e os grupos conservadores. A denominação que lhes é atribuída parece, contudo, bastante imprópria. Como afirma em seu editorial a revista La Gandhi Argentina,2 “as minorias nunca poderiam se traduzir como uma inferioridade numérica mas sim como maiorias silenciosas que, ao se politizar, convertem o gueto em território e o estigma em orgulho ¾ gay, étnico, de gênero”. Sua visibilidade tem efeitos contraditórios: por um lado, alguns setores sociais passam a demonstrar uma crescente aceitação da pluralidade sexual e, até mesmo, passam a consumir alguns de seus produtos culturais; por outro lado, setores tradicionais renovam (e recrudescem) seus ataques, realizando desde campanhas de retomada dos valores tradicionais da família até manifestações de extrema agressão e violência física.

O embate por si só merece uma especial atenção de estudiosos/as culturais e educadores/as. Mas o que o torna ainda mais complexo é sua contínua transformação e instabilidade. O grande desafio não é apenas assumir que as posições de gênero e sexuais se multiplicaram e, então, que é impossível lidar com elas apoiadas em esquemas binários; mas também admitir que as fronteiras vêm sendo constantemente atravessadas e ¾ o que é ainda mais complicado ¾ que o lugar social no qual alguns sujeitos vivem é exatamente a fronteira.

Escola, currículos, educadoras e educadores não conseguem se situar fora dessa história. Mostram-se, quase sempre, perplexos, desafiados por questões para as quais pareciam ter, até pouco tempo atrás, respostas seguras e estáveis. Agora as certezas escapam, os modelos mostram-se inúteis, as fórmulas são inoperantes. Mas é impossível estancar as questões. Não há como ignorar as ‘novas’ práticas, os ‘novos’ sujeitos, suas contestações ao estabelecido. A vocação normalizadora da Educação vê-se ameaçada. O anseio pelo cânone e pelas metas confiáveis é abalado. A tradição pragmática leva a perguntar: que fazer? A aparente urgência das questões não permite que se antecipe qualquer resposta; antes é preciso conhecer as condições que possibilitaram a emergência desses sujeitos e dessas práticas.

Construindo uma política de identidade

A homossexualidade e o sujeito homossexual são invenções do século XIX. Se antes as relações amorosas e sexuais entre pessoas do mesmo sexo eram consideradas como sodomia (uma atividade indesejável ou pecaminosa à qual qualquer um poderia sucumbir), tudo mudaria a partir da segunda metade daquele século: a prática passava a definir um tipo especial de sujeito que viria a ser assim marcado e reconhecido. Categorizado e nomeado como desvio da norma, seu destino só poderia ser o segredo ou a segregação ¾ um lugar incômodo para permanecer. Ousando se expor a todas as formas de violência e rejeição social, alguns homens e mulheres contestam a sexualidade legitimada e se arriscam a viver fora de seus limites. A ciência, a Justiça, as igrejas, os grupos conservadores e os grupos emergentes irão atribuir a esses sujeitos e a suas práticas distintos sentidos. A homossexualidade, discursivamente produzida, transforma-se em questão social relevante. A disputa centra-se fundamentalmente em seu significado moral. Enquanto alguns assinalam o caráter desviante, a anormalidade ou a inferioridade do homossexual, outros proclamam sua normalidade e naturalidade ¾ mas todos parecem estar de acordo de que se trata de um ‘tipo’ humano distintivo.

Esses são os discursos mais expressivos que circulam nas sociedades ocidentais, pelo menos até o início dos anos de 1970. O movimento de organização dos grupos homossexuais é, ainda, tímido; suas associações e reuniões suportam, quase sempre, a clandestinidade. Aos poucos, especialmente em países como os Estados Unidos e a Inglaterra, um aparato cultural começa a surgir: revistas, artigos isolados em jornais, panfletos, teatro, arte. No Brasil, por essa época, a homossexualidade também começa a aparecer nas artes, na publicidade e no teatro. Alguns artistas3 apostam na ambigüidade sexual, tornando-a sua marca e, desta forma, perturbando, com suas performances, não apenas as platéias, mas toda a sociedade. A partir de 1975, emerge o Movimento de Libertação Homossexual no Brasil, do qual participam, entre outros, intelectuais exilados/as durante a ditadura militar e que traziam, de sua experiência no exterior, inquietações políticas feministas, sexuais, ecológicas e raciais que então circulavam internacionalmente.

Nos grandes centros, os termos do debate e da luta parecem se modificar. A homossexualidade deixa de ser vista (pelo menos por alguns setores) como uma condição uniforme e universal e passa ser compreendida como atravessada por dimensões de classe, etnicidade, raça, nacionalidade etc. A ação política empreendida por militantes e apoiadores torna-se mais visível e assume um caráter libertador. Suas críticas voltam-se contra a heterossexualização da sociedade. A agenda da luta também se pluraliza: para alguns o alvo é a integração social ¾ a integração numa sociedade múltipla, talvez andrógina e polimorfa; para outros (especialmente para as feministas lésbicas) o caminho é a separação ¾ a construção de uma comunidade e de uma cultura próprias. Intelectuais, espalhados em algumas instituições internacionais, mostram sua afinidade com o movimento, publicam ensaios em jornais e revistas e revelam sua estreita ligação com os grupos militantes.

Pouco a pouco constrói-se a idéia de uma comunidade homossexual. Conforme Spargo,4 ao final dos anos 70, a política gay e lésbica abandonava o modelo que pretendia a libertação através da transformação do sistema e se encaminhava para um modelo que poderia ser chamado de ‘étnico’. Gays e lésbicas eram representados como “um grupo minoritário, igual mas diferente”; um grupo que buscava alcançar igualdade de direitos no interior da ordem social existente. Afirmava-se, discursiva e praticamente, uma identidade homossexual.

A afirmação da identidade supunha demarcar suas fronteiras e implicava numa disputa quanto às formas de representá-la. Imagens homofóbicas e personagens estereotipados exibidos na mídia e nos filmes são contrapostos por representações ‘positivas’ de homossexuais. Reconhecer-se nessa identidade é questão pessoal e política. O dilema entre ‘assumir-se’ ou ‘permanecer enrustido’ (no armário ¾ closet) passa a ser considerado um divisor fundamental e um elemento indispensável para a comunidade. Na construção da identidade, a comunidade funciona como o lugar da acolhida e do suporte ¾ uma espécie de lar. Portanto, haveria apenas uma resposta aceitável para o dilema (repetindo uma frase de Spargo, to come home, of course, you first had to ‘come out’5): para fazer parte da comunidade homossexual, seria indispensável, antes de tudo, que o indivíduo se ‘assumisse’, isto é, revelasse seu ‘segredo’, tornando pública sua condição.

Também no Brasil, ao final dos anos 70, o movimento homossexual ganha mais força: surgem jornais ligados aos grupos organizados, promovem-se reuniões de discussão e de ativismo, as quais, segundo conta João Silvério Trevisan, se faziam ao “estilo do gay conscious raising group americano”, buscando “tomar consciência de seu próprio corpo/sexualidade” e construir “uma identidade enquanto grupo social”.6

Em conexão com o movimento político (não apenas como seu efeito mas também como sua parte integrante), cresce, internacionalmente, o número de trabalhadores/as culturais e intelectuais que se assumem na mídia, na imprensa, nas artes e nas universidades. Entre esses, alguns passam a “fazer da homossexualidade um tópico de suas pesquisas e teorizações”.7 Sem romper com a política de identidade, colocam em discussão sua concepção como um fenômeno fixo, trans-histórico e universal e voltam suas análises para as condições históricas e sociais do seu surgimento na sociedade ocidental. No Brasil (de forma mais visível a partir de 1980), a temática também passa a se constituir como questão acadêmica, na medida em que, em algumas universidades e grupos de pesquisa, vem a ser discutida, especialmente com apoio nas teorizações de Michel Foucault.

O discurso político e teórico que produz a representação ‘positiva’ da homossexualidade também exerce, é claro, um efeito regulador e disciplinador. Ao afirmar uma dada posição-de-sujeito, supõe, necessariamente, o estabelecimento de seus contornos, seus limites, suas possibilidades e restrições. Nesse discurso, é a escolha do objeto amoroso que define a identidade sexual e, sendo assim, a identidade gay ou lésbica assenta-se na preferência em manter relações sexuais com alguém do mesmo sexo. Contudo, essa definição de identidade sexual, aparentemente indiscutível, poderia ser posta em questão:

Como a História da Sexualidade de Foucault havia mostrado, tal escolha do objeto nem sempre tinha se constituído a base para uma identidade e, como muitas vozes discordantes sugeriam, esse não era, inevitavelmente, o fator crucial na percepção de toda e qualquer pessoa sobre sua sexualidade. Este modelo fazia, efetivamente, com que os bissexuais parecessem ter uma identidade menos segura ou menos desenvolvida (assim como os modelos essencialistas de gênero fazem dos trans-sexuais sujeitos incompletos), e excluía grupos que definiam sua sexualidade através de atividades e prazeres mais do que através das preferências de gênero, tais como os/as sadomasoquistas.8

Com esses contornos, a política de identidade praticada durante os anos 70 assumia um caráter unificador e assimilacionista, buscando a aceitação e a integração dos/das homossexuais no sistema social. A maior visibilidade de gays e lésbicas sugeria que o movimento já não perturbava o status quo como antes. No entanto, tensões e críticas internas já se faziam sentir. Para muitos (especialmente para os grupos negros, latinos e jovens), as campanhas políticas estavam marcadas pelos valores brancos e de classe média e adotavam, sem questionar, ideais convencionais, como o relacionamento comprometido e monogâmico; para algumas lésbicas, o movimento repetia o privilegiamento masculino evidente na sociedade mais ampla, o que fazia com que suas reivindicações e experiências continuassem secundárias face às dos homens gays; para bissexuais, sadomasoquistas e trans-sexuais essa política de identidade era excludente e mantinha sua condição marginalizada. Mais do que diferentes prioridades políticas defendidas pelos vários ‘sub-grupos’, o que estava sendo posto em xeque, nesses debates, era a concepção da identidade homossexual unificada que vinha se constituindo na base de tal política de identidade. A comunidade apresentava importantes fraturas internas e seria cada vez mais difícil silenciar as vozes discordantes.

No início dos anos 80, o surgimento da Aids agregaria novos elementos a este quadro. Apresentada, inicialmente, como o ‘câncer gay‘, a doença teve o efeito imediato de renovar a homofobia latente da sociedade, intensificando a discriminação já demonstrada por certos setores sociais. A intolerância, o desprezo e a exclusão ¾ aparentemente abrandados pela ação da militância homossexual ¾ mostravam-se mais uma vez intensos e exacerbados. Simultaneamente, a doença também teve um impacto que alguns denominaram de ‘positivo’, na medida em que provocou o surgimento de redes de solidariedade. O resultado são alianças não necessariamente baseadas na identidade, mas sim num sentimento de afinidade que une tanto os sujeitos atingidos (muitos, certamente, não-homossexuais) quanto seus familiares, amigos, trabalhadores e trabalhadoras da área da saúde, etc. As redes escapam, portanto, dos contornos da comunidade homossexual tal como era definida até então. O combate à doença também acarreta um deslocamento nos discursos a respeito da sexualidade ¾ agora os discursos se dirigem menos às identidades e se concentram mais nas práticas sexuais (ao enfatizar, por exemplo, a prática do sexo seguro).

Especificamente em relação à sociedade brasileira, João Silvério Trevisan comenta que, devido à Aids, foi ampliada a discussão a respeito da homossexualidade. Diante da expansão da doença e de sua associação com a homossexualidade, “a metáfora ¾ tantas vezes empregada nas entrelinhas ¾ de que a homossexualidade pega quase deixou de ser metáfora”.9 A homofobia mostrava-se com toda sua crueza. A partir desse momento, segundo ele, além de se tornar mais evidente o desejo homossexual, ocorreu uma espécie de “efeito colateral da epidemia sexualizada”: a deflagração de uma “epidemia de informação”.10 Para ele,

o vírus da Aids realizou em alguns anos uma proeza que nem o mais bem-intencionado movimento pelos direitos homossexuais teria conseguido, em muitas décadas: deixar evidente à sociedade que homossexual existe e não é o outro, no sentido de um continente à parte, mas está muito próximo de qualquer cidadão comum, talvez ao meu lado e ¾ isto é importante! ¾ dentro de cada um de nós, pelo menos enquanto virtualidade.11

Já se haviam ampliado, então, consideravelmente, os grupos ativistas no Brasil, não apenas de gays mas também de lésbicas. Pelas características políticas que o país vivia, o movimento homossexual brasileiro via-se dividido entre a possibilidade de se integrar aos partidos políticos ou de continuar sua luta de forma independente ¾ e isso se constituía em mais uma de suas tensões internas.

Em termos globais, multiplicam-se os movimentos e os seus propósitos: alguns grupos homossexuais permanecem lutando por reconhecimento e por legitimação, buscando sua inclusão, em termos igualitários, ao conjunto da sociedade; outros estão preocupados em desafiar as fronteiras tradicionais de gênero e sexuais, pondo em xeque as dicotomias masculino/feminino, homem/mulher, heterossexual/homossexual; e ainda outros não se contentam em atravessar as divisões mas decidem viver a ambigüidade da própria fronteira. A nova dinâmica dos movimentos sexuais e de gênero provoca mudanças nas teorias e, ao mesmo tempo, é alimentada por elas.

A agenda teórica moveu-se da análise das desigualdades e das relações de poder entre categorias sociais relativamente dadas ou fixas (homens e mulheres, gays e heterossexuais) para o questionamento das próprias categorias ¾ sua fixidez, separação ou limites ¾ e para ver o jogo do poder ao redor delas como menos binário e menos unidirecional.12

A política de identidade homossexual estava em crise e revelava suas fraturas e insuficiências. Gradativamente, surgiriam, pois, proposições e formulações teóricas pós-identitárias. É precisamente dentro desse quadro que a afirmação de uma política e de uma teoria queer precisa ser compreendida.

Uma teoria e uma política pós-identitária

Queer pode ser traduzido por estranho, talvez ridículo, excêntrico, raro, extraordinário. Mas a expressão também se constitui na forma pejorativa com que são designados homens e mulheres homossexuais. Um insulto que tem, para usar o argumento de Judith Butler,13 a força de uma invocação sempre repetida, um insulto que ecoa e reitera os gritos de muitos grupos homófobos, ao longo do tempo, e que, por isso, adquire força, conferindo um lugar discriminado e abjeto àqueles a quem é dirigido. Este termo, com toda sua carga de estranheza e de deboche, é assumido por uma vertente dos movimentos homossexuais precisamente para caracterizar sua perspectiva de oposição e de contestação. Para esse grupo, queer significa colocar-se contra a normalização ¾ venha ela de onde vier. Seu alvo mais imediato de oposição é, certamente, a heteronormatividade compulsória da sociedade; mas não escaparia de sua crítica a normalização e a estabilidade propostas pela política de identidade do movimento homossexual dominante. Queer representa claramente a diferença que não quer ser assimilada ou tolerada e, portanto, sua forma de ação é muito mais transgressiva e perturbadora.14

A política queer está estreitamente articulada à produção de um grupo de intelectuais que, ao redor dos anos 90, passa a utilizar este termo para descrever seu trabalho e sua perspectiva teórica. Ainda que esse seja um grupo internamente bastante diversificado, capaz de expressar divergências e de manter debates acalorados, há entre seus integrantes algumas aproximações significativas. Diz Seidman:

Os/as teóricos/as queer constituem um agrupamento diverso que mostra importantes desacordos e divergências. Não obstante, eles/elas compartilham alguns compromissos amplos ¾ em particular, apóiam-se fortemente na teoria pós-estruturalista francesa e na desconstrução como um método de crítica literária e social; põem em ação, de forma decisiva, categorias e perspectivas psicanalíticas; são favoráveis a uma estratégia descentradora ou desconstrutiva que escapa das proposições sociais e políticas programáticas positivas; imaginam o social como um texto a ser interpretado e criticado com o propósito de contestar os conhecimentos e as hierarquias sociais dominantes.15

As condições que possibilitam a emergência do movimento queer ultrapassam, pois, questões pontuais da política e da teorização gay e lésbica e precisam ser compreendidas dentro do quadro mais amplo do pós-estruturalismo. Efetivamente, a teoria queer pode ser vinculada às vertentes do pensamento ocidental contemporâneo que, ao longo do século XX, problematizaram noções clássicas de sujeito, de identidade, de agência, de identificação.

Já no início do século, o sujeito racional, coerente e unificado é abalado por Freud com suas formulações sobre o inconsciente e a vida psíquica. A existência de desejos e idéias ignorados pelo próprio indivíduo e sobre os quais ele não tem controle é devastadoras para o pensamento racional vigente: ao ignorar seus desejos mais profundos, ao se mostrar incapaz de controlar suas lembranças, o sujeito se ‘desconhece’ e, portanto, deixa de ser ‘senhor de si’. Mais tarde, Lacan perturba qualquer certeza sobre o processo de identificação e de agência, ao afirmar que o sujeito nasce e cresce sob o olhar do outro, que ele só pode saber de si através do outro, ou melhor, que ele sempre se percebe e se constitui nos termos do outro. Longe de ser estável e coeso, esse é um sujeito dividido, que vive, constantemente, a inútil busca da completude. As possibilidades de autodeterminação e de agência também são postas em xeque pela teorização de Althusser quando este demonstra como os sujeitos são interpelados e capturados pela ideologia. Conforme Althusser, ao se entregar à ideologia, o sujeito realiza, de forma aparentemente livre, seu próprio processo de sujeição.

Ao lado dessas teorizações que problematizaram de forma radical a racionalidade moderna, destacam-se os insights de Michel Foucault sobre a sexualidade, diretamente relevantes para a formulação da teoria queer. Conforme Foucault, vivemos, já há mais de um século, numa sociedade que “fala prolixamente de seu próprio silêncio, obstina-se em detalhar o que não diz, denuncia os poderes que exerce e promete liberar-se das leis que a fazem funcionar”.16 Ele desconfia desse alegado silêncio e, contrariando tal hipótese, afirma que o sexo foi, na verdade, “colocado em discurso”: temos vivido mergulhados em múltiplos discursos sobre a sexualidade, pronunciados pela igreja, pela psiquiatria, pela sexologia, pelo direito… Empenha-se em descrever esses discursos e seus efeitos, analisando não apenas como, através deles, se produziram e se multiplicaram as classificações sobre as ‘espécies’ ou ‘tipos’ de sexualidade, mas também como se ampliaram os modos de controlá-la. Tal processo tornou possível, segundo ele, a formação de um “discurso reverso”, isto é, um discurso produzido a partir do lugar que tinha sido apontado como a sede da perversidade, como o lugar do desvio e da patologia: a homossexualidade. Mas Foucault ultrapassa amplamente o esquema binário de oposição entre dois tipos de discursos, acentuando que vivemos uma proliferação e uma dispersão de discursos, bem como uma dispersão de sexualidades. Diz ele:

assistimos a uma explosão visível das sexualidades heréticas, mas sobretudo ¾ e é esse o ponto importante ¾ a um dispositivo bem diferente da lei: mesmo que se apóie localmente em procedimentos de interdição, ele assegura, através de uma rede de mecanismos entrecruzados, a proliferação de prazeres específicos e a multiplicação de sexualidades disparatadas.17

A construção discursiva das sexualidades, exposta por Foucault, vai se mostrar fundamental para a teoria queer. Da mesma forma, a operação de desconstrução, proposta por Jacques Derrida, parecerá, para muitos teóricos e teóricas, o procedimento metodológico mais produtivo. Conforme Derrida, a lógica ocidental opera, tradicionalmente, através de binarismos: este é um pensamento que elege e fixa como fundante ou como central uma idéia, uma entidade ou um sujeito, determinando, a partir desse lugar, a posição do ‘outro’, o seu oposto subordinado. O termo inicial é compreendido sempre como superior, enquanto que o outro é o seu derivado, inferior. Derrida afirma que essa lógica poderia ser abalada através de um processo desconstrutivo que estrategicamente revertesse, desestabilizasse e desordenasse esses pares. Desconstruir um discurso implicaria em minar, escavar, perturbar e subverter os termos que afirma e sobre os quais o próprio discurso se afirma. Desconstruir não significa destruir, como lembra Barbara Johnson ,18 mas “está muito mais perto do significado original da palavra análise, que, etimologicamente, significa desfazer”. Portanto, ao se eleger a desconstrução como procedimento metodológico, está se indicando um modo de questionar ou de analisar e está se apostando que esse modo de análise pode ser útil para desestabilizar binarismos lingüísticos e conceituais (ainda que se trate de binarismos tão seguros como homem/mulher, masculinidade/feminilidade). A desconstrução das oposições binárias tornaria manifesta a interdependência e a fragmentação de cada um dos pólos. Trabalhando para mostrar que cada pólo contém o outro, de forma desviada ou negada, a desconstrução indica que cada pólo carrega vestígios do outro e depende desse outro para adquirir sentido. A operação sugere também o quanto cada pólo é, em si mesmo, fragmentado e plural. Para os teóricos/as queer, a oposição heterossexualidade/homossexualidade ¾ onipresente na cultura ocidental moderna ¾ poderia ser efetivamente criticada e abalada por meio de procedimentos desconstrutivos.

Na medida em que queer sinaliza para o estranho, para a contestação, para o que está fora-do-centro, seria incoerente supor que a teoria se reduzisse a uma ‘aplicação’ ou a uma extensão de idéias fundadoras. Os teóricos e teóricas queer fazem um uso próprio e transgressivo das proposições das quais se utilizam, geralmente para desarranjar e subverter noções e expectativas. É o caso de Judith Butler, uma das mais destacadas teóricas queer. Ao mesmo tempo em que reafirma o caráter discursivo da sexualidade, ela produz novas concepções a respeito de sexo, sexualidade, gênero. Butler afirma que as sociedades constroem normas que regulam e materializam o sexo dos sujeitos e que essas “normas regulatórias” precisam ser constantemente repetidas e reiteradas para que tal materialização se concretize. Contudo, ela acentua que “os corpos não se conformam, nunca, completamente, às normas pelas quais sua materialização é imposta”,19 daí que essas normas precisam ser constantemente citadas, reconhecidas em sua autoridade, para que possam exercer seus efeitos. As normas regulatórias do sexo têm, portanto, um caráter performativo, isto é, têm um poder continuado e repetido de produzir aquilo que nomeiam e, sendo assim, elas repetem e reiteram, constantemente, as normas dos gêneros na ótica heterossexual.

Judith Butler toma emprestado da lingüística o conceito de performatividade, para afirmar que a linguagem que se refere aos corpos ou ao sexo não faz apenas uma constatação ou uma descrição desses corpos, mas, no instante mesmo da nomeação, constrói, ‘faz’ aquilo que nomeia, isto é, produz os corpos e os sujeitos. Esse é um processo constrangido e limitado desde seu início, pois o sujeito não decide sobre o sexo que irá ou não assumir; na verdade, as normas regulatórias de uma sociedade abrem possibilidades que ele assume, apropria e materializa. Ainda que essas normas reiterem sempre, de forma compulsória, a heterossexualidade, paradoxalmente, elas também dão espaço para a produção dos corpos que a elas não se ajustam. Esses serão constituídos como sujeitos “abjetos” ¾ aqueles que escapam da norma. Mas, precisamente por isso, esses sujeitos são socialmente indispensáveis, já que fornecem o limite e a fronteira, isto é, fornecem “o exterior” para os corpos que “materializam a norma”, os corpos que efetivamente “importam”.20

Butler, como outros teóricos queer, volta sua crítica e sua argumentação para a oposição binária heterossexual/homossexual. Esses teóricos e teóricas afirmam que a oposição preside não apenas os discursos homofóbicos, mas continua presente, também, nos discursos favoráveis à homossexualidade. Seja para defender a integração dos/as homossexuais ou para reivindicar uma espécie ou uma comunidade em separado; seja para considerar a sexualidade como originariamente ‘natural’ ou para considerá-la como socialmente construída, esses discursos não escapam da referência à heterossexualidade como norma. Conforme Seidman, “permanece intocado o binarismo heterossexual/homossexual como a referência mestra para a construção do eu, do conhecimento sexual e das instituições sociais”.21 Esse posicionamento parece insuficiente, uma vez que não abala, de fato, o regime vigente. Segundo os teóricos e teóricas queer é necessário empreender uma mudança epistemológica que efetivamente rompa com a lógica binária e com seus efeitos: a hierarquia, a classificação, a dominação e a exclusão. Uma abordagem desconstrutiva permitiria compreender a heterossexualidade e a homossexualidade como interdependentes, como mutuamente necessárias e como integrantes de um mesmo quadro de referências. A afirmação da identidade implica sempre a demarcação e a negação do seu oposto, que é constituído como sua diferença. Esse ‘outro’ permanece, contudo, indispensável. A identidade negada é constitutiva do sujeito, fornece-lhe o limite e a coerência e, ao mesmo tempo, assombra-o com a instabilidade. Numa ótica desconstrutiva, seria demonstrada a mútua implicação/constituição dos opostos e se passaria a questionar os processos pelos quais uma forma de sexualidade (a heterossexualidade) acabou por se tornar a norma, ou, mais do que isso, passou a ser concebida como ‘natural’.

Ao alertar para o fato de que uma política de identidade pode se tornar cúmplice do sistema contra o qual ela pretende se insurgir, os teóricos e as teóricas queer sugerem uma teoria e uma política pós-identitárias. O alvo dessa política e dessa teoria não seriam propriamente as vidas ou os destinos de homens e mulheres homossexuais, mas sim a crítica à oposição heterossexual/homossexual, compreendida como a categoria central que organiza as práticas sociais, o conhecimento e as relações entre os sujeitos. Trata-se, portanto, de uma mudança no foco e nas estratégias de análise; trata-se de uma outra perspectiva epistemológica que está voltada, como diz Seidman, para a cultura, para as “estruturas lingüísticas ou discursivas” e para seus “contextos institucionais”:

A teoria queer constitui-se menos numa questão de explicar a repressão ou a expressão de uma minoria homossexual do que numa análise da figura hetero/homossexual como um regime de poder/saber que molda a ordenação dos desejos, dos comportamentos e das instituições sociais, das relações sociais ¾ numa palavra, a constituição do self e da sociedade.22

Uma pedagogia e um currículo queer

Como um movimento que se remete ao estranho e ao excêntrico pode se articular com a Educação, tradicionalmente o espaço da normalização e do ajustamento? Como uma teoria não-propositiva pode ‘falar’ a um campo que vive de projetos e de programas, de intenções, objetivos e planos de ação? Qual o espaço, nesse campo usualmente voltado ao disciplinamento e à regra, para a transgressão e para a contestação? Como romper com binarismos e pensar a sexualidade, os gêneros e os corpos de uma forma plural, múltipla e cambiante? Como traduzir a teoria queer para a prática pedagógica?

Para ensaiar respostas a tais questões é preciso ter em mente não apenas o alvo mais imediato e direto da teoria queer ¾ o regime de poder-saber que, assentado na oposição heterossexualidade/homossexualidade, dá sentido às sociedades contemporâneas ¾ mas também considerar as estratégias, os procedimentos e as atitudes nela implicados. A teoria queer permite pensar a ambigüidade, a multiplicidade e a fluidez das identidades sexuais e de gênero mas, além disso, também sugere novas formas de pensar a cultura, o conhecimento, o poder e a educação.

Tomaz Tadeu da Silva argumenta que,

tal como o feminismo, a teoria queer efetua uma verdadeira reviravolta epistemológica. A teoria queer quer nos fazer pensar queer (homossexual, mas também “diferente”) e não straight (heterossexual, mas também “quadrado”): ela nos obriga a considerar o impensável, o que é proibido pensar, em vez de simplesmente considerar o pensável, o que é permitido pensar. (…) O queer se torna, assim, uma atitude epistemológica que não se restringe à identidade e ao conhecimento sexuais, mas que se estende para o conhecimento e a identidade de modo geral. Pensar queer significa questionar, problematizar, contestar, todas as formas bem-comportadas de conhecimento e de identidade. A epistemologia queer é, neste sentido, perversa, subversiva, impertinente, irreverente, profana, desrespeitosa.23

Uma pedagogia e um currículo queer se distinguiriam de programas multiculturais bem intencionados, onde as diferenças (de gênero, sexuais ou étnicas) são toleradas ou são apreciadas como curiosidades exóticas. Uma pedagogia e um currículo queer estariam voltados para o processo de produção das diferenças e trabalhariam, centralmente, com a instabilidade e a precariedade de todas as identidades. Ao colocar em discussão as formas como o ‘outro’ é constituído, levariam a questionar as estreitas relações do eu com o outro. A diferença deixaria de estar lá fora, do outro lado, alheia ao sujeito, e seria compreendida como indispensável para a existência do próprio sujeito: ela estaria dentro, integrando e constituindo o eu. A diferença deixaria de estar ausente para estar presente: fazendo sentido, assombrando e desestabilizando o sujeito. Ao se dirigir para os processos que produzem as diferenças, o currículo passaria a exigir que se prestasse atenção ao jogo político aí implicado: em vez de meramente contemplar uma sociedade plural, seria imprescindível dar-se conta das disputas, dos conflitos e das negociações constitutivos das posições que os sujeitos ocupam.

Dentro desse quadro, a polarização heterossexual/homossexual seria questionada. Analisada a mútua dependência dos pólos, estariam colocadas em xeque a naturalização e a superioridade da heterossexualidade. O combate à homofobia ¾ uma meta ainda importante ¾ precisaria avançar. Para uma pedagogia e um currículo queer não seria suficiente denunciar a negação e o submetimento dos/as homossexuais, e sim desconstruir o processo pelo qual alguns sujeitos se tornam normalizados e outros marginalizados. Tornar evidente a heteronormatividade, demonstrando o quanto é necessária a constante reiteração das normas sociais regulatórias a fim de garantir a identidade sexual legitimada. Analisar as estratégias ¾ públicas e privadas, dramáticas ou discretas ¾ que são mobilizadas, coletiva e individualmente, para vencer o medo e a atração das identidades desviantes e para recuperar uma suposta estabilidade no interior da identidade-padrão.

Problematizar, também, as estratégias normalizadoras que, no quadro de outras identidades sexuais (e também no contexto de outros grupos identitários, como os de raça, nacionalidade ou classe),24 pretendem ditar e restringir as formas de viver e de ser. Pôr em questão as classificações e os enquadramentos. Apreciar a transgressão e o atravessamento das fronteiras (de toda ordem), explorar a ambigüidade e a fluidez. Reinventar e reconstruir, como prática pedagógica, estratégias e procedimentos acionados pelos ativistas queer, como, por exemplo, a estratégia de “mostrar o queer naquilo que é pensado como normal e o normal no queer“.25

Transferir a outras polaridades esse mecanismo desconstrutivo, perturbando até mesmo o mais caro binarismo do campo educacional, aquele que opõe o conhecimento à ignorância. Seguindo o pensamento de Eve Sedgwick, demonstrar, como sugerem teóricas/os queer, que a ignorância não é “neutra”, nem é um “estado original”, mas, em vez disso, que ela “é um efeito ¾ não uma ausência ¾ de conhecimento”.26Admitir que a ignorância pode ser compreendida como sendo produzida por um tipo particular de conhecimento ou produzida por um modo de conhecer. Assim, a ignorância da homossexualidade poderia ser lida como sendo constitutiva de um modo particular de conhecer a sexualidade. Deborah Britzman afirma:

O velho dualismo binário da ignorância e do conhecimento não pode lidar com o fato de que qualquer conhecimento já contém suas próprias ignorâncias. Se, por exemplo, os/as jovens e os/as educadores/as são ignorantes sobre a homossexualidade, é quase certo que eles/elas também sabem pouco sobre a heterossexualidade. O que, pois, é exigido do conhecedor para que compreenda a ignorância não como um acidente do destino, mas como um resíduo do conhecimento? Em outras palavras, que ocorrerá se lermos a ignorância sobre a homossexualidade não apenas como efeito de não se conhecer os homossexuais ou como um outro caso de homofobia, mas como ignorância sobre a forma como a sexualidade é moldada?27 (destaques meus).

A “reviravolta epistemológica” provocada pela teoria queer transborda, pois, o terreno da sexualidade. Ela provoca e perturba as formas convencionais de pensar e de conhecer. A sexualidade, polimorfa e perversa, é ligada à curiosidade e ao conhecimento. O erotismo pode ser traduzido no prazer e na energia dirigidos a múltiplas dimensões da existência. Uma pedagogia e um currículo conectados à teoria queer teriam de ser, portanto, tal como ela, subversivos e provocadores. Teriam de fazer mais do que incluir temas ou conteúdos queer; ou mais do que se preocupar em construir um ensino para sujeitos queer. Como afirma William Pinar,28 “uma pedagogia queer desloca e descentra; um currículo queer é não-canônico”. As classificações são improváveis. Tal pedagogia não pode ser reconhecida como uma pedagogia do oprimido, como libertadora ou libertária. Ela escapa de enquadramentos. Evita operar com os dualismos, que acabam por manter a lógica da subordinação. Contrapõe-se, seguramente, à segregação e ao segredo experimentados pelos sujeitos ‘diferentes’, mas não propõe atividades para seu fortalecimento nem prescreve ações corretivas para aqueles que os hostilizam. Antes de pretender ter a resposta apaziguadora ou a solução que encerra os conflitos, quer discutir (e desmantelar) a lógica que construiu esse regime, a lógica que justifica a dissimulação, que mantém e fixa as posições de legitimidade e ilegitimidade. “Em vez de colocar o conhecimento (certo) como resposta ou solução, a teoria e a pedagogia queer (…) colocam o conhecimento como uma questão interminável”.29

Vistos sob essa perspectiva, uma pedagogia e um currículo queer ‘falam’ a todos e não se dirigem apenas àqueles ou àquelas que se reconhecem nessa posição-de-sujeito, isto é, como sujeitos queer. Uma tal pedagogia sugere o questionamento, a desnaturalização e a incerteza como estratégias férteis e criativas para pensar qualquer dimensão da existência. A dúvida deixa de ser desconfortável e nociva para se tornar estimulante e produtiva. As questões insolúveis não cessam as discussões, mas, em vez disso, sugerem a busca de outras perspectivas, incitam a formulação de outras perguntas, provocam o posicionamento a partir de outro lugar. Certamente, essas estratégias também acabam por contribuir na produção de um determinado ‘tipo’ de sujeito. Mas, neste caso, longe de pretender atingir, finalmente, um modelo ideal, esse sujeito ¾ e essa pedagogia ¾ assumem seu caráter intencionalmente inconcluso e incompleto.

Efetivamente, os contornos de uma pedagogia ou de um currículo queer não são os usuais: faltam-lhes as proposições e os objetivos definidos, as indicações precisas do modo de agir, as sugestões sobre as formas adequadas para ‘conduzir’ os/as estudantes, a determinação do que ‘transmitir’. A teoria que lhes serve de referência é desconcertante e provocativa. Tal como os sujeitos de que fala, a teoria queer é, ao mesmo tempo, perturbadora, estranha e fascinante. Por tudo isso, ela parece arriscada. E talvez seja mesmo… mas, seguramente, ela também faz pensar.

Referências bibliográficas

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1 FOUCAULT, 1993.
2 La Gandhi Argentina, 1998.
3 Nos anos 70, o cantor Ney Matogrosso e o grupo Dzi Croquetes embaralham propositalmente as referências femininas e masculinas em suas performances e, segundo José Silvério Trevisan, acabam por desempenhar um papel importante e provocador no debate sobre política sexual no Brasil. Trevisan (2000, p. 288) afirma que os Dzi Croquetes “trouxeram para o Brasil o que de mais contemporâneo e questionador havia no movimento homossexual internacional, sobretudo americano”.
4 SPARGO, 1999, p. 29.
5SPARGO, 1999, p. 30.
6 TREVISAN, 2000, p. 339.
7SEIDMAN, 1995, p. 121.
8 SPARGO, 1999, p. 34.
9 TREVISAN, 2000, p. 462.
10 TREVISAN, 2000, p. 463. De fato, a partir da segunda metade dos anos 80, no Brasil, passou-se a discutir muito mais a sexualidade (e a homossexualidade) em várias instâncias sociais, inclusive nas escolas. A preocupação em engajar-se no combate à doença fez com que organismos oficiais, tais como o Ministério de Educação e Cultura, passassem a estimular projetos de educação sexual e, em 1996, o MEC incluiu a temática, como tema transversal, nos seus Parâmetros Curriculares Nacionais (os PCNs, a nova diretriz para educação do País). Vale notar, contudo, que as condições que possibilitaram a ampliação da discussão sobre a sexualidade também tiveram o efeito de aproximá-la das idéias de risco e de ameaça, colocando em segundo plano sua associação ao prazer e à vida.
11 TREVISAN, 2000, p. 462.
12 EPSTEIN e JOHNSON, 1998, p. 37-38.
13 BUTLER, 1999.
14 Algumas vezes queer é utilizado como um termo síntese para se referir, de forma conjunta, a gays e lésbicas. Esse uso é, no entanto, pouco sugestivo das implicações políticas envolvidas na eleição do termo, feita por parte do movimento homossexual, exatamente para marcar (e distinguir) sua posição não-assimilacionista e não-normativa. Deve ser registrado, ainda, que a preferência por queer também representa, pelo menos na ótica de alguns, uma rejeição ao caráter médico que estaria implícito na expressão “homossexual.
15 SEIDMAN, 1995, p. 125.
16 FOUCAULT, 1993, p. 14.
17 FOUCAULT, 1993, p. 48.
18 JOHNSON, 1981.
19 BUTLER, 1999, p. 154.
20 BUTLER, 1999.
21 SEIDMAN, 1995 , p. 126.
22 SEIDMAN, 1995 , p. 128.
23 SILVA, 2000, p. 107.
24 Eve Sedgwick afirma que “queer tem se estendido ao longo de dimensões que não podem ser subsumidas, inteiramente, ao gênero e à sexualidade: por exemplo, aos modos pelos quais raça, etnicidade, nacionalidade pós-colonial entrecruzam-se com esses e com outros discursos de constituição-de-identidade, de fratura-de-identidade” (Sedgwick apud Jagose, 1996, p. 99).
25 TIERNEY e DILLEY, 1998 , p. 60.
26 BRITZMAN, 1996, p. 91.
27 BRITZMAN, 1996, P. 91.
28 PINAR, 1998, p. 3.
29 LUHMANN, 2000, p. 151.

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